“Pela primeira vez desde 1994, o CNA está se preparando para participar de eleição sem a certeza do resultado”

Entrevista com Lybon Mabasa, militante histórico da luta contra o apartheid na África do Sul e dirigente do Sopa (Partido Socialista da Azania).

Numa declaração publicada em nossas colunas, Lybon Mabasa expressou, em nome do seu partido, seu apoio incondicional ao recurso apresentado pelo governo sul-africano ao Tribunal Internacional de Justiça, contra o genocídio em curso em Gaza. Ele também falou em nossas colunas sobre a ressonância da luta pelos direitos do povo palestino contra Israel, com os horrores vividos pelos sul-africanos face ao apartheid, denunciando os “estados gêmeos” criados em 1948 com base na negação dos direitos de um povo inteiro, por meio da violência.

Uma eleição presidencial será realizada na África do Sul em 31 de maio. A maioria presidencial parece estar em grande dificuldade à medida que ela se aproxima?

O partido político Congresso Nacional Africano (CNA, no poder desde 1994) está enfrentando grandes dificuldades, que vão desde a diminuição do apoio do eleitorado devido à corrupção endêmica e à má administração geral. Todos sabem que o presidente é controlado pelo capital monopolista branco liderado pelos Oppenheimers e Ruperts. As divisões dentro do próprio partido são enormes. O que deveria ser positivo, ou seja, o uso dos tribunais para punir os malfeitores, agora está sendo claramente desviado, com o sistema judicial sendo utilizado para atender aos interesses de várias facções em conflito dentro do CNA. O partido está ameaçado de implosão, com a população expressando sua aversão ao presidente e ao seu método de liderança. A única coisa realmente positiva que o partido fez, e que lhe rendeu novos amigos e respeito, foi levar o estado sionista de apartheid de Israel ao Tribunal Internacional de Justiça. Pela primeira vez desde 1994, o CNA está se preparando para participar de eleições sem a certeza do resultado.

Qual é a sua posição sobre essas eleições presidenciais?

Na Azania (África do Sul) muitas pessoas dizem que essas serão as primeiras “eleições reais”, porque as eleições sempre foram uma tradução dos acordos de Kempton Park (1991-1992) [“Transição” – NdT], que não trouxeram nada para os negros. E, de fato, até agora, as eleições têm até reforçado o poder da minoria branca, porque os acordos de Kempton Park deram a aparência de legalidade à sua posição de dominação econômica, de monopolização em detrimento dos negros. Então, muita gente está dizendo que essas eleições são importantes porque querem que tudo isso acabe. Eu não acredito nisso. A menos que convoquemos uma Assembleia Constituinte, que comecemos do zero a redigir uma nova Constituição e criemos uma atmosfera na qual a dominação econômica branca possa ser derrubada, nada de positivo sairá dessas eleições. Ninguém, nesta campanha, fala sobre as reivindicações importantes, ninguém fala sobre o fato de os negros ainda não serem donos da terra, todos os partidos participantes têm uma só linguagem: “Votem em mim, eu farei melhor”. Mas nenhum deles vai fazer melhor, nenhum deles colocou essas questões até agora. Se continuarem no mesmo esquema, no final vão reproduzir as flagrantes discriminações sofridas pela população negra.

Alguns candidatos dizem que o governo deveria preocupar-se em apoiar a luta contra o genocídio na África, especialmente no Congo, em vez de apoiar Gaza. Como você responde a isso?

Em primeiro lugar, essa comparação que eles fazem é completamente inútil. Para nós, toda vida humana tem valor. O que está acontecendo agora na Palestina atraiu a atenção do mundo inteiro. Qual é o sentido deste questionamento, senão tentar destruir a unidade dos povos do mundo que estão lutando contra o genocídio na Palestina e tentar nos impedir de chegar a acabar com ele?

Sabemos o que está acontecendo no Congo, sabemos que a face do terror está se espalhando no país, os problemas com o alistamento de soldados e assim por diante. Mas vencer na Palestina, bater-se tão duramente quanto possível contra as políticas do estado sionista de Israel, seria uma vitória para todos.

Alguns estão tentando nos dizer: “Vejam o que está acontecendo no outro lado”. Nunca dissemos que a situação no Congo não é importante e, no passado, até criamos um tribunal internacional para mostrar o que ocorre lá, incluindo o que chamamos de “escândalo geológico”, pois esse país tem imensas riquezas, e mostrar como o imperialismo organizou guerras para manter a sua exploração. Temos uma posição firme sobre esta questão. Mais de um milhão de pessoas morreram em trinta anos. Tudo isso foi feito com a cumplicidade da ONU de Kofi Annan (Secretário-Geral à época – NdT), que disse se tratar de uma guerra tribal. Sabemos que não foi uma guerra tribal. O imperialismo queria implodir o país para continuar explorando seus recursos. Vamos continuar também o combate contra esse genocídio permanente, contra essa pilhagem organizada. Mas aqueles que dizem “Cuidem do Congo, não da Palestina” não estão nem aí para o Congo, não há nenhuma sinceridade nisso.

Então, por qual razão eles se opõem? Primeiro, os sionistas israelenses têm certa influência em nosso país e, utilizando enormes subsídios, financiam campanhas caras para os candidatos, que os levam ao poder. Eles literalmente compram os favores desses candidatos, desses líderes políticos. Alguns chegam mesmo a dizer que não podem condenar Israel porque a Bíblia não permite, que isso é contrário à fé cristã, e com isso justificam o assassinato de crianças! Assim, aqueles que se opõem não o fazem inocentemente, têm atrás de si a mão do imperialismo, que precisa justificar os horrores em Gaza.

Informações Operárias, França 17.04.2024

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